CRONOLOGIA DAS REVOLTAS #2: Carrancas.

A revolta dos Carrancas ocorreu no curato de São Thomé das Letras, Carrancas, Minas Gerais no século XIX, em 13 de maio de 1833. Ela ficou conhecida como a mais sangrenta da história da escravidão no país, causando a morte de escravizados e integrantes da família escravista, terror pelas fazendas aos arredores e sendo divulgadas em rotas comerciais, que ligava Minas ao Vale do Paraíba, São Paulo e Rio de Janeiro. 

O levante ocorreu quando escravizados pertencentes à família Junqueira, (na época, parte da elite, com muitas propriedades, grande número de escravos, gados e suínos, além de um berço político), liderados por Ventura Mina, resolveram atacar a família escravista e todo branco que fizesse parte do seu núcleo por ouvir boatos de que os caramurus, em Ouro Preto, estavam matando todos os brancos e libertando os escravos.

Ao saberem de toda a rotina dentro da casa grande, na fazenda Campo Alegre, armaram o plano. Tudo iniciou-se com o ataque ao filho de Gabriel Francisco Junqueira, deputado-geral da então província de Minas Gerais, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, conhecido como “senhor moço”. Este foi derrubado de seu cavalo, enquanto supervisionava seus trabalhadores, e morto a pauladas e golpes com foice. 

Ao atacarem o “senhor moço”, mudaram de direção e caminharam até a fazenda vizinha, de Bela Cruz, onde, com um número maior de participantes, assassinaram todos os Junqueira que encontraram, não poupando mulheres, idosos e duas crianças. 

No terceiro ataque, o grupo perdeu força. Como a notícia da revolta se espalhou para as demais fazendas e senhores do engenho, uma armadilha fez com que Ventura Mina e quatro outros companheiros morreram baleados, antes mesmo de adentrar as terras e os demais que participaram fugiram para se salvar. 

Depoimentos de capturados relatam que grande parte dos escravizados participaram, com vigor, de cada morte. Outros não chegavam a matar. Alguns aproveitaram a oportunidade para fugir de toda a violência que ocorria e das autoridades.

A revolta dos Carrangas resultou na maior condenação coletiva à pena de morte aplicada a escravos no Brasil. Foram 31 indiciados, 17 tiveram a pena de morte decretada, 10 foram libertos porque não participaram, ativamente, das mortes dos seus senhores e familiares,  os demais foram para a prisão e apenas um, Antônio Resende, foi condenado a viver como carrasco de seus companheiros até o resto de sua vida e ficou conhecido por todos como Antônio Resende, o carrasco.

A revolta dos Carrancas resultou no Projeto de Lei nº 4, de 13 de maio de 1835, sob influência do deputado Gabriel Francisco Junqueira. O texto, nitidamente, pede maior seriedade e urgência em relação a escravos que tentassem contra seus senhores, mesmo a pena de morte sendo prevista no Código Penal de 1830.

As circunstâncias do Império do Brasil, em relação aos Escravos Africanos, merecem do Corpo Legislativo a mais séria atenção. Alguns atentados recentemente cometidos, e de que o Governo vos dará informação, convencem desta verdade. Se a legislação até agora existente era fraca, e ineficaz para coibir tão grande mal, a que vivendo os fazendeiros mui distantes uns dos outros, não poderão contar com a existência, se a punição de tais atentados não for rápida, e exemplar, nos mesmos lugares em que eles tiverem sido cometidos. (Anais do parlamento Brasileiro,1982, v. 1, p. 243-244, grifo meu,)

Projeto de Lei nº 4, de 13 de maio de 1835

A Revolta dos Carrancas é memorável pela mão dupla de sua violência e, para saber mais sobre ela, o artigo do professor Marcos Ferreira de Andrade , “A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas: a origem da “lei nefanda” (10 de junho de 1835).

Quem é Dorothy Counts?

Nas quatro horas iniciais do dia 14 de junho de 2020, 300 minutos após ter terminado de ver o documentário “Eu Não Sou Seu Negro” (I’m not Your Negro), um filme onde o diretor Raoul Peck, um cineasta haitiano, se utiliza do livro inacabado do romancista, poeta e crítico social estadunidense James Baldwin, me vi curiosamente incendiado pela história de uma pessoa citada no último… Dorothy Counts.

Porém, abordar o nome de uma mulher tão poderosa requer voltar um pouco no tempo.

O ano é 1951, quando Linda Brown, filha de Oliver Brown, tem o requerimento de matrícula recusado pelo distrito escolar público de Topeka, Kansas, onde a instituição citada ainda exigiu que a aluna viajasse de ônibus para uma escola negra segregada mais distante.

Diante disso os Browns e outras doze famílias que passaram por situações semelhantes em diferentes escolas, rapidamente entraram com uma ação contra o Conselho de Educação da cidade de Topeka alegando que a política de segregação era inconstitucional.

No contra-ataque, um painel formado por três juízes do Tribunal Distrital dos EUA para o distrito do Kansas proferiu o veredicto se respaldando na decisão realizada pela Suprema Corte em 1896, chamada “Plessy v. Ferguson”. Cuja determinação era manter a constitucionalidade das leis de segregação racial, desde que as instituições segregadas fossem iguais em qualidade, a doutrina ficou conhecida como “separada, mas igual”.

Foi só com a representação de Thurgood Marshall, advogado-chefe da NAACP (em português Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor), que a Suprema Corte decidiu ouví-los e finalmente em 1954, com a “Plessy v. Ferguson” anulada, foi decidido unanimemente  que a segregação racial nas escolas públicas eram inconstitucionais.

Nessa esteira de integração racial nas escolas públicas ou “desagregação obrigatória das escolas públicas”, estabelecida pela Suprema Corte, em 1956 na Carolina da Norte o advogado Thomas J. Pearsall foi o principal instigador do “Plano Pearsall”, cujo os termos eram bem simples.

Os alunos de pele branca poderiam receber financiamento para estudar em escolas particulares e não se misturar com os alunos retintos.

Caso os primeiros não fossem aceitos no sistema privado, não seriam obrigados a frequentar a escola mista contra sua vontade.

Em vez das decisões serem realizadas pelo Conselho de Educação da Carolina do Norte, o Plano Pearsall distribuiu a tomada de decisão entre os conselhos escolares locais individuais que eram formados apenas pessoas brancas, onde se justifica a “proteção” de tais conselhos com uma emenda de sufrágio de 1900, a qual prejudica os corpos negros não lhes dando o direito de concorrer a cargos ou votações, o que nos leva a enfatizar uma das decisões do Comitê de Pearsall, que foi dar poder de avaliação à comunidade, ou seja, um bairro predominantemente branco poderia votar para encerrar uma escola mista, caso achasse impróprio que seus filhos compartilhassem suas salas de aula.

No ano seguinte na cidade de Charlotte, ainda na Carolina do Norte, Dorothy Counts aos 15 anos de idade foi uma dos 4 (quatro) estudantes negros matriculados em várias escolas do estado, um em cada.

Junto com seu pai (Herman Counts), no caminho para a escola, o carro deles foi impedido de chegar perto do portão da instituição, antes de descer do carro seu pai lhe disse “Mantenha a cabeça erguida”, ela seguiu seu caminho a pé sendo escoltada por um amigo da família, Edwin Thompkins enquanto seu pai estacionava o carro.

Durante o caminho, a esposa de John Z. Warlick, um oficial do Conselho dos CIdadãos Brancos, incentivou as garotas brancas a cuspirem em Dorothy, houve também relatos de muitas pessoas atirando pedras, mas a maioria caiu diante de seus pés. 

Foram formadas barreiras por alunos, mas como Dorothy não hesitou as mesmas se abriram no último instante permitindo sua passagem.

Depois de quatro dias de aula, seus pais a transferiram para a Philadelphia, pois temiam pela vida da filha.

A foto do primeiro dia de aula foi registrada por Douglas Martin e foi ganhadora do prêmio World Press Photo do ano de 1957, em 2006, Dorothy recebeu um email de um dos estudantes que apareceu na foto ridicularizando-a pedindo desculpas.

Em 2008, Dorothy e outras sete pessoas receberam o Old State Award, foram homenageados por ajudar a integrar as escolas públicas da Carolina do Norte.

É nesse ponto que, como pessoas retintas, nos deparamos com pensamentos revoltantes de certa forma de “por que não deixaram-na ficar?”, “uma luta é feita de presença e representatividade! Não?!”.

A vasta revolta da nova geração repleta de informação com apenas um toque em conflito com a cautela de uma geração que já viu muitos morrendo por nada.

É nesse mesmo ponto que vemos a razão de não nos colocarmos à frente de situações perigosas, pois podemos não voltar. Nos protestos de 2020 muitos corpos negros foram e ainda estão indo às ruas para protestar contra a matança que ainda nos ronda e é justamente por esse motivo e pela pandemia que nos encurrala nesse exato momento, que muitos tem medo de ir, muitos pais e mães de filhos pertencentes a corpos negros sentem a mesma revolta, mas o medo de não ver mais seus filhos é devastador. É insuportável

Dorothy é uma heroína, por ter vivido esses quatro dias e por estar viva até hoje  

E é apenas isso que queremos, viver.

Abaixo você encontra o link parar assistir online ou baixar o documentário citado, qualidade em 720p. Estamos trabalhando para disponibiza-lo em uma plataforma melhor.

https://drive.google.com/file/d/1Hx2xWpcIn9TOqSuQaZpC9JqWb_pbikSV/view?usp=sharing

Da onde vem o “cheiro de nego”?

Desde pequena ouço pessoas dizerem “cheiro de nego” ao se referirem ao suor. 

Esse dito popular sempre me incomodou porque as pessoas negras ao meu redor não tinham mau cheiro e muito senso de limpeza.

Esse termo, que é pejorativo e racista, tem origens nos tumbeiros, onde povos de África atravessaram o oceano como escravizados de pouca valia para o uso e exploração dos colonizadores. Mortos, vivos, mulheres, crianças, homens, pessoas de todas as idades ficavam amontoadas, com nula dignidade. 

Quem morria, era jogado ao mar após um longo período no porão. As pessoas tinham que conviver com o corpo morto e o mau cheiro. Isso também gerava uma infecção generalizada e, basicamente, quem sobrevivia ao tráfico mercantil, já chegava em terras sul-americanas com a saúde bem debilitada.

Como é sabido, na história da escravidão do Brasil, os escravizados tinham até a dignidade negada pelo senhor do engenho, realizando, de forma forçada, todos os serviços domésticos que precisavam ser feitos. Além da casa, comida e roupa lavada, haviam as plantações de cana-de-açúcar, café, grãos e diversas minas e, quanto mais bens (ou escravos) o senhor tinha, consequentemente, mais status.

Haviam também escravos de reprodução, ou escravos sexuais, o que originou o mulato (pauta para outra conversa).

Se nos dias atuais, grande parte da população brasileira sofre com a falta de saneamento básico, há 400 anos isso não era uma preocupação recorrente pois, para o despejo de urina e fezes dos demais, existiam os “escravos tigres”.

Quadro de Jean Baptiste Debret.

Esses escravos eram responsáveis pela coleta e despejo de toda a desinteria colonial. Eles carregavam tonéis com ureia e amônia para “disfarçar” o mau cheiro e faziam a coleta na casa de senhores, para o seu próprio ganha pão, ou para o enriquecimento do próprio senhor, que oferecia o serviço para os demais em troca de mercadoria ou moedas.

Eles recebiam o nome de tigres porque a reação dos produtos químicos com o material orgânico vazava e escorria na cabeça e na pele deles, deixando riscos acinzentados ao ressecarem, o que, inclusive, impedia dos demais de se aproximarem por conta do mau cheiro.  

Os dejetos eram jogados onde houvesse água corrente por todo o território nacional. No Rio de Janeiro, capital na época, as fossas eram proibidas nas cidades por conta de sua aproximação com os lençóis freáticos, o que legalizava esse tipo de serviço. 

Lá em 1860, com a proposta de modernização do Rio de Janeiro, D. Pedro II inicia um projeto de saneamento básico no Brasil que, entre outros, multava quem fosse visto jogando lixos e dejetos na rua. Mesmo após tantos anos de implementação de saneamento, cerca de 47% da população não vive essa realidade.

Voltando ao “cheiro de nego”, nunca ouvi alguém dizendo isso de forma positiva, por mais subconsciente que seja, mesmo durante a hiper sexualização dos corpos negros masculinos (o que também não é positivo). Esses termos pejorativos são pontas soltas dentro da nossa história que precisam ser corrigidos diariamente, assim como os mais comuns de se ouvir, como denegrir: deixar negro; dia de branco: dia de folga; dia de preto: trabalhar pra caramba; meia tigela: o que negros recebiam como “recompensa” pelo trabalho; entre outros. 

Para que, de fato, o anti racismo se faça presente, todos necessitam tomar consciência do que se deve, ou não, reproduzir. Aprenda e compartilhe.

CRONOLOGIA DAS REVOLTAS #1: Quilombo de Palmares.

Com a guerra entre os portugueses e os holandeses, muitos escravizados fugiram para regiões da mata. Todos que conseguiam escapar, com vida, encontravam quilombos e mocambos para residir junto com outros grupos que também eram foragidos.

O número de habitantes nos mocambos aumentava gradativamente, até que a escravidão se tornou inviável nos arredores do Quilombo de Palmares. Os portugueses resolveram reagir. Enviaram um missionário, um padre, que era totalmente a favor da escravidão dos negros e nativos da região. “Todo negro fugirá para Palmares com seu capital, que não é outro, além de seu próprio corpo.

O capitão militar Fernão Carrilho capturou, num grande certo, cerca de 200 habitantes quilombolas, incluindo parentes de Zumbi, como seu tio e líder Ganga Zumba, que, fazendo acordo com coroa portuguesa, aceitou que os quilombolas sairiam dos mocambos e residiriam em Cucaú, além disso, seriam reconhecidos como suditos do rei de Portugal. Quem nasceu em Palmares, “seria livre”, quem nasceu fora de Palmares, escravizados. A partir desse momento houve uma quebra entre os palmaristas, alguns ficando com Ganga Zumba, outros com Zumbi, que se tornou o grande líder do grupo.

Logo após esse acordo, Ganga Zumba morreu envenenado e todo o acordo feito com a coroa portuguesa foi quebrado. Cucaú foi considerado território rebelde e os habitantes do mocambo foram, em sua maioria, capturados, mortos e poucos conseguiram escapar para mocambos da região. Essa invasão foi consolidada pelos Bandeirantes que, segundo historiadores, eram mercenários e combatentes de guerra. Relatos mostram que o mesmo grupo combateu os holandeses na Angola.

O principal trabalho deles era invadir, roubar, matar e conquistar espaço e Zumbi dos Palmares era seu próximo alvo.

Em fevereiro de 1694, os bandeirantes construíram um contra cerco, chegando à Serra da Barriga em pouco tempo, abrindo a mata com facão e usando escravos para carregar uma arma de guerra nunca vista antes, um canhão. O objetivo era romper a barragem para o quilombo e, após a explosão, centenas de pessoas morreram, ou pelo estrago do canhão, ou pelas armas dos bandeirantes. Poucos conseguiram fugir, muitos foram capturados.

Zumbi e um pequeno grupo escaparam e se alojaram na Serra Dois Irmãos, num esconderijo entre as quedas d’agua da cachoeira. Em 1695, Antônio Soares, torturado por André Furtado, relatou o esconderijo do líder quilombola.

Zumbi foi metralhado e teve a sua cabeça exposta como sinal de alerta para que não houvesse mais revolta ou tentativas de fugas entre os escravos na capitania.

Neste dia, 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares se tornou o primeiro exemplo de revolução negra no Brasil, sendo exemplo para milhares que vieram após ele como líderes ou revoltas organizadas contra o abuso e racismo direcionado as pessoas negras no Brasil.

Zumbi não agiu sozinho. Desde a infância teve a liderança e presença feminina, como sua avó Aqualtune, princesa legitima que após a morte do pai, no Congo, foi vendida assim como seus súditos. Chegando em Pernambuco, foi comprada como escrava reprodutora, ou seja, era estuprada e seus filhos, ao nascerem, seriam escravos filhos do senhor do engenho. Dizem que Aqualtune, ao descobrir que grupos se organizavam para fugir das fazendas e do abuso, fugiu nos últimos meses de gravidez e que, ao chegar em Palmares, foi reconhecida por muitos como a Grande Rainha.

A cultura africana reinava nos quilombos, do qual podiam reverenciar seus protetores, cantar e viver em conjunto. Lá criou Zumba, Zona e Sabina – mãe de Zumbi, organizou estratégias de defesa de guerrilha, criou o conselho de chefes, típico na cultura africana, e assim, com a expansão dos palmaristas – que chegou ao ápice de 20.000 pessoas-, cada mocambo tinha o seu chefe, que ganhava o nome de Ganga.

Não se sabe se Aqualtune morreu de velhice, de doença ou de bala. Alguns dizem que fugiu em uma das invasões aos mocambos. Outros relatam que sua morte foi tranquila e ela ascendeu e vive até hoje dentro de cada mulher negra. Aqualtune é vista como um símbolo feminino de resistência e luta pela liberdade das mães, mulheres, filhas, netas e pessoas negras.

Dandara dos Palmares, esposa de Zumbi dos Palmares, teve a influencia da grande ancestral da família. Era guerreira armada e lutava, ao lado de mulheres de homens, para a proteção e preservação do território de Palmares. Dandara não ficava atrás de Zumbi na liderança. Lado a lado, combateram muitos invasores e destruíram cercos.

Há 326 anos atrás, Dandara dos Palmares não lutava pela igualdade das mulheres, ela lutava pela vida de todos os que viviam no grande Quilombo dos Palmares e todos aqueles que eram abusados e escravizados pela cor da pele.

A garra de Dandara dos Palmares vive no peito de todas as mulheres. Deixe inflar.

VIDAS NEGRAS IMPORTAM.

Conhece a lenda de Candyman?

Segundo a lenda popular, Candyman foi um escravo que, por ter se relacionado com a filha do senhorio, foi espancado, mutilado e coberto de mel para que abelhas o picassem até a morte.

Jordan Peele, que vem se consagrando pelas direções e produções cinematográficas (se ainda não conhece o cara, vem ler aqui), resolveu produzir um reboot do clássico de 1992 junto com a roteirista Nia DaCosta, que também é escritora e diretora do filme Little Woods.

Na trama, Anthony (nome do bebê sobrevivente ao filme de 1992) vivido pelo atorzão Yahya Mateen II, vai para Cabrini Green com sua namorada. Os dois vivem de arte, ela como diretora de galeria e ele como pintor. Num encontro casual com um veterano de Cabrini , Anthony conhece a verdadeira tragédia por trás de Candyman e, hipnotizado por tal, acaba cumprindo seu destino. 

Trailer oficial de Candyman.

E aí, o que achou do trailer?
A estréia, prevista para Junho, foi adiada, mas o trailer basta como tira-gosto.

Só pode com Mandinga quem Mandinko é.

“Alguém na vida me ensinou 
Quem fala de amor tem que ter pra dar 
O mesmo alguém foi quem me falou 
Quem não pode com santo não carrega patuá!”  
 

Basta Bem Pensar, Di Melo.

Essa é uma composição do Di Melo e, talvez, poucas pessoas a conheçam, diferente do ditado popular que diz “Quem não pode com mandinga não carrega patuá!”.  
Mas o que esse ditado popular tem a nos ensinar? 

Patuás são amuletos de proteção/força que podem ser feitos com tecidos, ervas, pedras, rezas.

Como sabemos, a história afro ancestral fundou-se da oralidade, por isso temos tão poucos registros de escritores ou griots retratando a própria história, diferente de tantas cartas enviadas pelos portugueses sobre a raça negra. 

O ano exato do primeiro uso do primeiro patuá não existe, mas o primeiro registro de uso do artigo religioso no Brasil foi na Bahia, na década de 1830, com os muçulmanos Mandingas, descendentes do Império do Mali e um dos protagonistas da grande Revolta dos Malês. 

Os negros malês eram muçulmanos, viviam ao norte do continente africano e praticavam o islamismo de berço. Ao desembarcarem no Brasil, faziam papéis de comerciantes e de capitães do mato por terem leitura e escrita avançadas, diferente de algumas etnias e grupos africanos.  

Os Mandingas carregavam no peito, amarrado num cordão, uma espécie de amuleto, chamada pelos outros grupos de patuá. Este amuleto tinha -gravado e costurado num pedaço de couro- trechos do Alcorão e um Mandinga reconhecia o outro através de sua leitura, em árabe. 

 Os mandingos pertencem ao maior grupo etnolinguístico da África Ocidental – o Mandè.

Negros escravizados, sabendo que Mandingas tinham “passe livre” começaram a fazer suas versões do patuá para fugir das fazendas. O único problema era que, quando encontravam um Mandinga, teriam que, além de mostrar o trecho do alcorão, lê-lo. Dentro deste contexto, muitos foram capturados, vários inclusive morreram nas mãos dos Mandingas, visto que era imperdoável, para eles, o uso impróprio de sua religião.  

O dito é interpretado de várias formas, tanto em cunho religioso como um ensinamento de preto velho. Mandinga, fora etnia, significa no dito popular, feitiçaria, magia, misticismo. Algo que, quando você não conhece, é melhor não se envolver.  

Essa história é só uma fatia do bolo para o que foi, em 1835, a Revolta dos Malês, que deixo para outra matéria.  

O ensinamento fica. 

A importância do Movimento AFROPUNK.

O AFROPUNK surgiu no auge do movimento punk dos Estados Unidos com jovens dos anos de 1990. James Spooner, criador do movimento, era um desses jovens. 

Na época, PUNK era um título libertador e uma ideologia comum entre jovens de diversas classes e culturas que tentavam ir contra um sistema condensado. James, por frequentar muitas apresentações, notou que sempre era o único cara negro do movimento local e, pulgado com a ideia, resolveu criar uma rede para tentar encontrar outras pessoas negras que gostassem do mesmo estilo musical que ele. Surgiu então o AFROPUNK.  

A ideia era trocar mensagens com jovens negros fãs de punk, hardcore, que fossem próximos e que curtissem ir em shows, pra ninguém ser único de forma isolada no rolê. Papo vai, papo vem, divulgações aqui e lá de bandas e apresentações e o público negro começou a aumentar na cena punk local.  

O trabalho foi de formiga, mas rapidamente foi se espalhando e pessoas de outras cidades americanas começaram a frequentar apresentações divulgadas por James no AFROPUNK e, consequentemente, o número de negros nos shows aumentou. Rolou também bandas com negros nos vocais, baterias, baixos, enfim, negros no palco representando a cena local com rock pesado. 

Estava aí o Movimento AFROPUNK, com histórias de homens e mulheres que se sentiam únicos na cidade por curtirem rock não convencional e serem negras. James conta, em entrevista ao próprio canal do AFROPUNK, que nas primeiras apresentações haviam 28 pessoas, mas depois o público aumentou.  

Com o passar dos anos, Spooner decidiu fazer um documentário com artistas negros sobre o AFROPUNK e qual foi a sensação dessas pessoas ao se sentirem representadas no estilo musical e na raça. A ideia era só filmar e depois mostrar pros amigos como ficou, mas o movimento ganhou ainda mais força e notoriedade. 

AFROPUNK: The Movie.

O AFROPUNK virou um festival com bandas e artistas locais e renomados. Já causou no Brooklyn e Atlanta, Paris, Londres, tá chegando no Brasil e vai fazer a contagem regressiva para 2020 em Johannesburgo, na África do Sul.  

O AFROPUNK começou a encher os olhos do mundo com as imagens que só os frequentadores podiam nos proporcionar. Pessoas negras adornadas dos mais variados penteados e vestimentas. Negros punk rockers com piercings e lentes nos olhos e nada disso soou feio, mas sim o início do que hoje nós chamamos de AFROFUTURISMO. 

“Afro: as in, born of African spirit and heritage; see also Black, see also rhythm and color, see also other, see also underdog. 

Punk: as in, rebel, opposing the simple route, imbued with a DIY etchic, looking forward with simplicity, rawness and open curiosity; see also other, see also underdog.

AFROPUNK is defining culture by the collective creative actions of the individual and the group. It is a safe place, a blank space to freak out in, to construct a new reality, to live your life as you see fit, while making sense of the world around you.”

Hoje AFROPUNK virou uma definição de estilo de vida, sendo ou não fã de punk rock. A sensação de liberdade, de aceitação, de empoderamento e beleza fazem parte do imaginário coletivo da comunidade negra e o AFROFUTURISMO surge dessa sensação de poder e criação 

AFROFUTURISMO é o negro criando seu lugar no mundo, hoje e amanhã. É acreditar na arte e na maneira livre da criação artística. É acreditar na ocupação de espaços e na própria capacidade de fazer o que deseja. 

Como é impossível falar sobre AFROPUNK e AFROFUTURISMO sem fazer um livro, deixarei a parte AFROFUTURISTA para uma nova matéria.  

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Axé.  

A importância do “Acredite no seu Axé”.

Desde que vi a movimentação preta nas redes sociais por conta do desfile de Isaac Silva na SPFW48, pensei “a coisa vai ficar boa”, sem, ao menos, ter dimensão do que tudo aquilo viria a representar pra mim.  

Arruda, sal grosso e modelos abrem o desfile de Isaac Silva no SPFW48.

O bordão era “Acredite No Seu Axé”, só aí já senti uma semente de prosperidade sendo plantada no âmago.  
A verdade é que tudo que foi levado para a passarela representava ancestralidade, cultura e fé.  

A diversidade de corpos foi algo que, se eu tivesse essa mesma referência em 2000, quando comecei a me interessar por moda, obviamente a minha vida –e a vida de tantxs outrxs- seria diferente dentro desse meio. 

Acreditar no seu próprio axé é muito louco e íntimo porque puxa a responsabilidade pra dentro. Acreditar no seu axé é acreditar na força maior te intuindo, acreditar nos seus insights, nos seus sonhos, nas pulgas atrás da orelha e em cada arrepio. 

Falando um cadinho sobre o criador e as criaturas: 
Isaac Silva é baiano, estilista, cheio de axé, mora em São Paulo e me inspira até as pencas. É aquela pessoa que, quando eu ver, fé que eu desmaio ou choro. 

Desfile de Isaac Silva – SPFW48.

Pirei nas sobreposições, as barras largas e longas, a transparência nos tecidos e nos crochês, os big pingentes que imitavam búzios, os macacões divines e a simplicidade daquilo tudo traduzidas na cor branca (que pra nós, do axé, é a cor oficial dos trabalhos e da sexta-feira). 

Acreditar no seu axé é coisa séria.  
É acreditar que tudo já está no Universo, e a gente não joga, só pega! 

Isaac, obrigado por ser quem é!  
Por acreditar no seu axé e por inspirar outros e outras a acreditarem no seu e no teu.  
É um novo momento pra nós.  
Adupé. 

Andrea Lalli e o momento de dar nomes.

(Foto: Evelyn Kosta)

Eu sou Lalli, tenho 24 anos, negra e arte educadora trabalho a quase 5 anos nessa parte de Cultura, atualmente no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil). Tenho formação em Ciências Sociais, mas só me entendi como artista há uns 2 anos que comecei a frequentar a folhetaria aberta no do CCSP (Centro Cultural São Paulo). Esse espaço foi muito importante pra eu consolidar minhas produções na xilogravura, ver o que a galera está produzindo e ter essa troca. Participei de uma exposição no próprio Centro, essas coisas que vão fazendo eu olhar e me aceitar nesses espaços por mais que a gente saiba que a gente não precisa da legitimidade do outro, as vezes é muito difícil a gente confiar e desenvolver autoestima em relação à nossa produção artística.

(Foto: Evelyn Kosta)

Qual técnica veio primeiro Xilogravura, Pintura ou o Bordado ?

“Na real eu comecei com os desenhos desde criança aquela cena clássica – risos – fui  pra nanquim, aquarela, giz pastel… Adorava um desenho livre, era algo meio egotrips e por isso eu não me via no lugar de falar que eu era “​artista visual” porque eu não tinha um tema, produção definida e nem chegava a divulgar por conta disso também.”

Como foi esse processo de desenvolver as outras técnicas ?

 “Em 2017 eu fiz um curso de xilo no Sesc e então comecei a pirar na técnica. O bordado surgiu por conta de um trabalho que eu fiz.  Teve uma exposição na Oca ano passado do Ai Weiwei, que é um artista contemporâneo e ativista. Era um trabalho com o educativo que eu fiz, minha supervisora na época tem um trabalho muito extenso com bordado e ela fez a gente ativar o espaço expositivo através disso. No dia eu não gostei muito da ideia mas no final fluiu. Engraçado que o meu bordado não tem técnica nenhuma se vocês pararem pra ver, as renderas dizem que sabem quando o bordado é bom mesmo quando você vê frente e verso e fica igualzinho, isso não acontece com o meu e é isso eu acho muito legal no que eu tenho desenvolvido. Agora estou no processo de juntar xilo, bordado e pintura juntos.”

(Foto: Evelyn Kosta)

Você sentiu receito de mudar ? Teve dificuldade de se encontrar nas outras também ?


“Eu queria aprender outra coisa além das pinturas que eu tinha mais contato mas eu não sabia exatamente o que, pensei em fazer gravura em metal, só que pensei na praticidade do processo de produção e não teria um local pra estar produzindo e tal. Pensei mais nesse lance da facilidade do trabalho o que demorei pra ver é que a xilo não é um desenho, eu pensava em um desenho e depois desenha e na verdade o ideal pra explorar a linguagem da xilo, é a gente pensar de outra forma e isso é muito difícil. Quando ministro oficina com xilo primeiro eu pinto a matriz toda e a partir disso a gente vai gravando, ai sim temos a noção do negativo, porque não adianta nada a gente fazer uma matriz em que eu tiro e praticamente não fica quase nada em preto. Eu tive a dificuldade e acho que ainda não fechei isso, sei que tenho muito o que aprender e vejo também que nas impressões é frustrante errar… Então tem uma persistência ai. Por exemplo quando fiz o processo de imprimir no algodão cru, tive uma dificuldade de saber se aquilo ia dar certo. O medo de errar, ter que lidar com as expectativas e olhar o que você fez e pensar : “Po, isso ficou interessante”. Eu sei que tenho muito o que testar e aprender, penso em usar outras cores por exemplo.”

(Foto: Evelyn Kosta)

Você se vê apegada a cor marrom ? 
“A principio é uma cor que sempre sai, apesar de já ter reparado nisso agora, entendendo melhor os temas que tenho trabalhado e eu vejo que tem muita ligação com as raízes/terra. Um lugar de memória e ancestralidade, cultivo.”

Qual foi a maior mudança de 2017, que foi quando você se formou pra agora ? Quais eram suas expectativas ?

“Eu entrei na faculdade muito nova, isso tem vantagens e desvantagens que só agora eu me dou conta. Tem algumas matérias que hoje em dia eu aproveitaria muito mais – apesar de atualmente termos um entendimento maior do que realmente nos interessa. Ao mesmo tempo depois de formada, me pergunto muito qual lugar que as Ciências Sociais ocupam. Como a gente devolve pras pessoas o quê produzimos, as pesquisas que fazemos? Como a gente ta produzindo conhecimento e pra que ? Pra quem ? Você esta dialogando com quem ? Isso na época da faculdade eu não questionava, hoje sim e vejo muito isso relacionado ao meu trabalho com arte-educação, área que eu não esperava estar tão envolvida quando saí da faculdade.  Hoje o que mais me motiva é ver as periferias ocupando os centros culturais e se sentindo pertencentes a esses espaços, com diálogos que façam sentido nas realidades das pessoas. Ver meu trabalho com arte e educação se desenvolvendo nesse lugar era algo que eu não esperava em 2017, e fico muito feliz por estar na luta nessa caminhada com a educação não-formal.”

(Foto: Evelyn Kosta)


Como você vê a arte no momento em que a gente vive no Brasil ? Qual é o papel da arte agora ?

“Teve uma exposição no CCBB que chamava “Vai e vem” uma exposição de redes de dormir, a maioria dos artistas eram nacionais, mais de 140 artistas mais de 300 obras enfim obras que desde a invasão do Brasil até artes contemporâneas, o que eu vi nessa exposição é uma forma de reentender essas histórias e dar outras narrativas, isso ta totalmente relacionado ao momento atual que a gente é resultado desse processo de colonialismo e ainda essas mentalidades que a gente tem no poder são colonialistas né ? Nesse lugar tanto de privilégios que a branquitude ocupa ali quanto de instâncias de favorecer uma classe economicamente elevada enfim, eu vejo que a arte hoje em dia no Brasil ela ta muito ligada a dar nomes a gente está em um momento de identidades – não só racial que é a minha questão mas identidades diversas – de gênero, territorialidades e etc. As pessoas estão querendo se definir principalmente a nossa geração, a gente no Brasil teve esse não lugar por anos e agora estamos querendo nomear isso e a arte ta ai como ferramenta, mesmo que a gente não saiba do que, é uma possibilidade e permitir identidades plurais. A partir do momento que eu mostro que existo, é ai que a gente consegue falar de mudança e se eu existo eu tenho a minha voz, tenho a minha história. Um dia ouvi uma fala de um artista que eu gosto muito, Jaime Lauriano onde ele fala que : “No Brasil nos foi negado as Histórias, e já que nos foi negado você inventa”. Eu não tenho memórias nenhuma da família do meu pai que é Afro-Indígena é muito difícil lidar com o passado. A arte possibilita a visibilidade do que você quer que seja visto.”

(Foto: Evelyn Kosta)

Indique um artista que você admira muito.

“A artista que eu mais tenho lido sobre é a Sallisa Rosa, ela é uma artista indígena de Goiânia e trabalha muito com essa relação do indígena urbano que é muitas vezes deslegitimado enquanto indígena por “não ter a cultura “tradicional”. A pesquisa dela diz muito do que eu tento trazer nos meus trabalhos. Gosto muito do Dalton Paula, Ayrson Heráclito, artistas que trabalham relações étnico-raciais. Gustavo Caboco  tem uns trabalhos com bordados também e ele tem essa relação de tentar reviver memórias. Ultimamente tenho me interessado muito pelo trabalho da Sônia Gomes também.” 

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Evelyn Kosta :Fotógrafa e videomaker.

Presente no livro Mulheres Criativas. Escrevo e entrevisto por amar falar de assuntos que acredito.

LITERAPRETA#2: Maria Firmina dos Reis.

Reprodução: internet.

Maria Firmina dos Reis, filha de Leonor Felipa dos Reis e bastarda de João Pedro Esteves, era professora e escritora, poeta, compositora e é considerada a primeira romancista negra do Brasil.  

Maria nasceu em São Luís – Maranhão em datas que, alguns documentos apontam ser 11 de março de 1822 e outros afirmam ser 11 de outubro de 1825. Aos vinte e dois anos de idade, na cidade de Guimarães – MA, tornou-se professora primária e denunciou as dificuldades de ensino e a repressão que a cidade e a população passavam.  

Após esse período como professora e enfrentando as barreiras e preconceitos da época, escreveu “Úrsula”, seu primeiro título, lançado em 1859 (há 160 anos). A obra retrata a escravidão e os sentimentos dos personagens negros ao viverem naquela situação e o amor impossível de dois personagens brancos no enredo.  

Reprodução: internet.

Gupeva”, outro título da escritora, foi lançado em 1870. A história retrata a paixão de um indígena por uma mulher europeia, sem saber que, na verdade, são irmãos. 
Antes de se aposentar, em 1887, lançou também “A Escrava”, onde reforçava seu posicionamento antiescravista e abolicionista. 

Em 1880 inaugurou uma escola pública e mista para a comunidade, aberta para o ensino livre. 
Maria morreu em 1917, no dia 11 de novembro, mas se encontra imortal na literatura brasileira.  

Viva, Maria Firmina!  
Leia Mulheres. 

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